Direito Laboral nas Clínicas Veterinárias
As clínicas veterinárias, embora centradas no cuidado dos nossos fiéis companheiros de quatro patas, funcionam como qualquer outro estabelecimento de saúde, com responsabilidades legais exigentes, sobretudo na gestão das suas equipas.
Desde o tipo de contrato mais adequado aos trabalhadores, passando pelos deveres profissionais e pelos trâmites legais em caso de conflitos, é fundamental assegurar o cumprimento da legislação para proteger a sua equipa e o seu negócio.
Neste artigo, explicamos tudo o que precisa de saber para garantir uma gestão legal e eficaz dos recursos humanos na sua clínica.
Tipos de Contrato de Trabalho em Clínicas Veterinárias
As clínicas podem recorrer a vários tipos de contrato de trabalho, consoante as necessidades do serviço e da sua estabilidade:
O Contrato sem termo, previsto no artigo 147.º do Código do Trabalho, é o contrato mais comum e o que traz mais estabilidade e continuidade ao trabalhador.
O Contrato a termo certo, previsto no artigo 140.º do Código do Trabalho, existe quando há uma necessidade temporária, como substituição de um trabalhador ausente (doença, maternidade, etc.) ou aumento excecional de atividade (ex: campanhas de vacinação, abertura de nova unidade). O uso indevido pode levar à conversão automática em contrato sem termo.
O Contrato a termo incerto, por último, previsto no artigo 141.º do Código do Trabalho, aplica-se quando não é possível prever a duração da necessidade temporária com exatidão.
Principais Direitos dos Trabalhadores
Enquanto parte empregada, os trabalhadores gozam dos direitos consagrados no Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro), acrescidos de boas práticas do setor. Entre os principais direitos, destacam-se:
Remuneração Justa
todos os trabalhadores têm direito a uma remuneração adequada às funções exercidas, à experiência e à complexidade técnica exigida. O salário deve ser pago até ao último dia útil de cada mês, conforme o artigo 273.º do Código do Trabalho.Subsídio de Férias e de Natal
dois subsídios anuais equivalentes a um mês de retribuição cada: Subsídio de Férias, pago antes do início das férias, como determina o artigo 264.º e o subsídio de Natal, pago até 15 de dezembro, como determina o artigo 263.º.Férias Anuais
O trabalhador tem direito a 22 dias úteis de férias por ano (artigo 238.º). Mesmo que o vínculo laboral dure apenas parte do ano, o direito a férias é proporcional.Licença Parental
Os trabalhadores têm direito a licenças para o exercício da parentalidade, incluindo: Licença parental inicial (até 120 ou 150 dias, partilhada ou não), Licença parental exclusiva da mãe (6 semanas obrigatórias após o parto) e Licença do pai (20 dias úteis obrigatórios), como determina os
artigos 33.º a 65.º do Código do Trabalho.A entidade empregadora deverá comunicar à Segurança Social a existência deste direito de modo a que a trabalhadora receba o subsídio correspondente.
Dispensa para Aleitação ou Amamentação
A mãe ou o pai trabalhador tem direito a dispensas diárias para aleitação ou amamentação, sem perda de retribuição, como determinado pelo artigo 47.º.
Proteção em Caso de Doença
Os trabalhadores têm direito a subsídio de doença através da Segurança Social, mediante apresentação de baixa médica (certificado de incapacidade temporária). A Segurança social paga a retribuição do trabalhador durante esse período e a entidade empregadora deve garantir o posto de trabalho e a estabilidade contratual, garantindo o cumprimento do artigo 296.º.
Formação Profissional
Cada trabalhador tem direito a um mínimo de 40 horas anuais de formação contínua, podendo esta ser prestada internamente ou por entidades externas certificadas, como possibilita o artigo 131.º do Código do Trabalho.
Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho
A entidade empregadora tem o dever de garantir condições de trabalho seguras, incluindo avaliação de riscos biológicos e químicos, disponibilização de equipamentos de proteção individual (EPI) e consultas de medicina do trabalho, assegurando o cumprimento da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro (Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho)
Deveres Laborais dos Colaboradores
Por outro lado, o bom funcionamento de uma clínica veterinária depende, em larga medida, do comportamento profissional dos seus colaboradores. Os deveres mais relevantes incluem:
Assiduidade e Pontualidade
A comparência regular e atempada ao trabalho é essencial para o bom funcionamento das consultas, cirurgias e atendimento de urgência.
Compromisso com o Bem-Estar Animal e Respeito pelos Donos
O colaborador deve agir com empatia, profissionalismo e respeito, quer no contacto com os animais quer com os seus tutores, mesmo em situações emocionalmente exigentes.
Sigilo Profissional
A informação clínica dos animais, dados pessoais dos clientes e decisões médicas estão protegidas por confidencialidade. A sua violação constitui uma infração grave.
Zelo pela Higiene, Limpeza e Equipamentos
Os trabalhadores devem manter os espaços limpos, respeitar os protocolos de desinfeção e conservar corretamente os instrumentos e materiais, evitando desperdícios e riscos sanitários.
Respeito pela Hierarquia, Colegas e Utentes
É fundamental manter uma cultura de cooperação, respeito mútuo e boa comunicação, evitando conflitos e promovendo um ambiente de trabalho saudável.
Cumprimento das Normas Internas e Legais
Os colaboradores devem respeitar os regulamentos internos da clínica e todas as disposições legais aplicáveis, contribuindo para a sua imagem de excelência.
Prevenção e Resolução de Conflitos no Trabalho
Muitas vezes, apesar dos direitos e deveres serem claramente estabelecidos pelo Código de Trabalho, surgem conflitos no local de trabalho. Neste sentido é necessário que a entidade laboral saiba agir de acordo com os trâmites legais, através de procedimentos internos claros para tratar reclamações, como:
a existência do Livro de Reclamações (físico e eletrónico), que é obrigatório;
Saiba aqui como registar o livro de reclamações eletrónico.um canal interno de comunicação de irregularidades (como determina o artigo 8.º da Lei n.º 93/2021 – Lei do Whistleblower)
e assegurar que todas as denúncias são documentadas e investigadas de forma justa e imparcial.
A criação de um “Protocolo de Resolução de Conflitos Internos” pode evitar escalar situações simples para litígios laborais, sendo de extrema importância a criação deste documento e do conhecimento do mesmo por todos os trabalhadores.
Processo Disciplinar e Sanções
Em caso de incumprimentos dos deveres dos trabalhadores (ex: faltas injustificadas, desrespeito por normas de segurança), a clínica deve respeitar os trâmites do processo disciplinar previsto no artigo 351.º e seguintes do Código do Trabalho, seguindo as três etapas essenciais:
Nota de culpa detalhada (com prazo de resposta de 10 dias úteis).
Resposta do trabalhador (com direito a ser assistido por advogado ou sindicato).
Decisão final fundamentada e notificada por escrito.
A falta de cumprimento de forma exime destas três etapas que podem levar a uma repreensão, multa, perda de dias de férias, suspensão ou até ao despedimento com justa causa, pode levar a nulidade do processo disciplinar e a indemnizações significativas.
Conclusão
Gerir uma clínica veterinária é mais do que garantir o bem-estar animal, é assegurar também a legalidade e a justiça no tratamento das pessoas que compõem a equipa. Conhecer a lei e aplicá-la é uma forma eficaz de evitar riscos legais e promover um ambiente saudável, estável e profissional na empresa.